sexta-feira, 12 de março de 2010

CIGANOS, DE ONDE VIERAM E PARA ONDE VÃO?

TEXTO DE CLAUDIA BAIBICH

Após séculos de especulações acerca da verdadeira origem dos ciganos, a tendência conclusiva desses estudos, aponta cada vez mais para a origem indiana.
Durante muito tempo, as pesquisas estavam focadas em duas possibilidades: a indiana e a egípcia. A falta de elementos culturais típicos da civilização egípcia, entre os ciganos, acabou por enfraquecer essa tese. Entretanto, alguns poucos estudiosos, ainda tentam encontrar similaridade entre os dois povos.
Aspectos preponderantes entre os ciganos, como a língua e o tipo físico os aproximam dos indianos e fortalecem, até o momento, a tese da origem indiana dos mesmos.
A ciganologia é um ramo da etnologia que tem como objetivo o estudo do povo cigano em todos os seus aspectos, e tem se dedicado a descobrir o máximo possível de informações confiáveis a respeito da origem mais precisa desses filhos do vento.
Todas as culturas que registraram suas origens e história pela tradição oral, dificultam a comprovação de fatos verificáveis. E no caso dos ciganos, essa característica é acentuada pela trajetória nômade transcontinental, e a assimilação de um pouco da cultura dos mais variados povos.
Quando um povo era invadido por outro de maior poder bélico, havia com a conquista e o convívio entre dois, uma espécie de simbiose cultural, que resultava na reinterpretação e reconceituação dos elementos de ambas as culturas.
Com o nomadismo dos ciganos o que ocorria era que, por serem "invasores" pacíficos, submetiam-se voluntariamente aos costumes do povo que os "hospedava" e mesmo mantendo forte convicções e tradições no seu clã, sofriam mais a influência desses povos, que influenciavam, por serem estrangeiros e minoria.
Registros sobre sua trajetória, surgem na Europa no início do século XIV, onde os mesmos diziam-se de origem egípcia, ficando conhecidos como gypsys, posteriormente foram chamados de zíngaros na Itália, heiden na Holanda, ciganos em Portugal, boémiens na França, grecianos na Espanha, pois este grupo dizia ter origem grega. Foram muitos os nomes com que foram chamados. Algumas denominações eram estabelecidas pela suposta origem, como gypsys (egípcios) e outras de modo pejorativo como a denominação dos holandeses: heiden (pagão)

O interessante do povo cigano é a sua pacificação e aceitação da vida nômade, não invadiram pela força nenhum território, não demonstram necessidade de terem uma pátria e de fixarem-se neste ou outro ponto do globo, não desenvolveram exércitos ou guerreiros.
Os ciganos que estabeleceram-se e criaram descendentes em diversos países, hoje estão mais articulados social e politicamente, inseriram-se nas culturas desses países, mas não perderam por completo suas tradições. Dentre os aspectos que se mantêm na cultura cigana encomtram-se a língua romani, que os unifica não importando o país de origem; a cartomancia; a musicalidade; a dança.
Demais costumes como as cerimônias religiosas de nascimento, casamento e funerais sofreram maiores interferências, mas ainda assim são mantidas em muitos clãs.

Os grupos ciganos que mais se destacam na atualidade são:
-Kalon - criaram um dialeto próprio, o kalon, para esconder a origem cigana.
-Rom - falam o romani e dividem-se em subgrupos: Matchuaia da Iuguslávia, Lovara e churara na Turquia,
-Sinti- falam a língua sintó, encomtram-se na Alemanhã, Itália e França, incluindo as famílias: Valshtike, Estrekárja e Aachkane, na França.

As perseguições sofridas na Europa desde o século XIV até a segunda guerra foram cruéis e incluíram escravidão, prisões, assassinatos, estupros, torturas . E movimentos extremistas de defesas de territórios que são uma crescente em todo o mundo, vêm novamente ameaçando as pessoas de origem cigana e africana. Essa perseguição faz eco principalmente na Europa, onde vivem mais de 60% dos 10 milhões de ciganos da atualidade.

Na Europa, os direitos ciganos estão sendo seriamente discutidos e vários países já têm legislações pró-ciganas. Portugal, por exemplo, já tem grandes avanços. Mas com a crise econômica internacional, imigrantes de diversas origens e ciganos, mesmo com nacionalidade ou situação regularizada, têm sido os primeiros a perderem seus empregos.

No Brasil, a mobilização pró cidadania cigana e seus direitos de inclusão social e política, tem acontecido desde a preparação dos ciganos para a 1ª Conferência Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial quando participaram dos debates estaduais e municipais para as Conferências Estaduais de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

A tendência, ao longo dos anos seria novamente a migração, reativando o estilo nômade.
Mas migrar para onde, se os países do primeiro mundo estão fechando suas fronteiras?
Que perspectiva aguardam ciganos e africanos assolados pela miséria, doenças e pela falta de oportunidades?
Qual foi a pátria que os pariu?
Qual será a pátria que os acolherá?

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Autoria: Claudia Baibich
Fonte: http://ciganaseciganosnaumbanda.blogspot.com/

segunda-feira, 1 de março de 2010

UM CAMPO DE CONCENTRAÇÃO FRANÇÊS


Por: Marco Aurélio Barbai*

FILHOL, Emmanuel. Un camp de concentration français – Les Tsiganes alsaciens-lorains à Crest, 1915-1919. Presses Universitaires de Grenoble, 2004.


O livro de Emmanuel Filhol, Un camp de concentration français – Les Tsiganes alsaciens-lorains à Crest, 1915-1919, objeto desta resenha, aborda uma amnésia da sociedade francesa: o aprisionamento, o sofrimento, a exclusão e o apagamento dos ciganos durante a Primeira Guerra mundial. Este livro está dividido em cinco etapas: Introdução, em que o autor fala da presença dos ciganos na região da Alsácia-Lorena, apresenta os arquivos do campo de concentração e trata da hospitalidade e repressão aos ciganos; Capítulo I, Un camp d’internement pour les Tsiganes, espaço traçado pelo autor para discutir o modo de organização, administração e gestão da prisão em Crest; Capítulo II, Aspects d’ l’interment, em que o quotidiano dos campos de concentração é posto em discussão; Capítulo III, Subir, résister, que apresenta os testemunhos dos internos, por meio de cartas, e a (re)ação da sociedade em relação à existência dos ciganos; e, encerra as abordagens do texto na parte intitulada Conclusão.
É pelo difícil e criterioso levantamento de documentos em arquivos (Arquivos Nacionais, Municipais e Diocesanos), escassos ou quase nulos, consagrados aos campos de concentração da Primeira Guerra mundial, que o autor dá vida a histórias esquecidas pela memória administrativa e social.
Enquanto no front os homens se massacravam, por conta da guerra entre França e Alemanha, encarceravam-se os estrangeiros, os suspeitos e os indesejáveis. Assim, trabalhando com o Arquivo da região da Drôme, no sul da França, e com o material constituído pelo depósito de vigilância da cidade de Crest, um convento capuchinho transformado em prisão, criado especificamente para atender aos 150 ciganos Alsacianos-Lorenos de julho de 1915 a 1919, o autor dá existência legítima àqueles que foram tratados como um acidente humano, considerados diferentes, irregulares.
Inicialmente, na Introdução, Filhol fala da presença dos ciganos no sul da França, destacando que esse povo, que circulava pelo vale da Drôme e regiões vizinhas desde a Idade Média, instala-se ali a partir da metade do século XV. Em nota de rodapé, a de número 3 no texto, pode-se apreender que os diferentes nomes na língua francesa para designar o cigano (Bohémiens, Gitans, Tsiganes, Manouches) são provenientes dos itinerários migratórios realizados por estes. Assim, eles são chamados de Boêmios, porque seus ancestrais vieram da Boêmia no século V; Gitanos, porque eram originários do ‘Pequeno Egito’; depois foram designados Atsingani (que gerou a expressão Tsiganes – Ciganos) nome dado pelos gregos a uma seita que praticava as artes de prever o futuro e a música e, por fim, Manouches, que, originário da expressão Manus, significa homem.
Desde sua instalação, segundo o autor, o povo cigano, até então desconhecido, suscitou nas populações urbanas uma mistura de admiração e medo. O seu modo de vida nômade sempre foi visto com descrédito pela população sedentária das cidades. Nem o século XIX, o século das luzes, foi-lhes favorável. Uma lei redigida em 1980 e votada em 1912 vai instaurar uma carteira de identidade (uma ficha antropométrica) de modo a controlar a chegada e partida dos ambulantes, forasteiros e comunidades nômades.
Dois anos após o estabelecimento dessa lei, a guerra entre a França e a Alemanha explode. Os ciganos interceptados na reconquistada região da Alsácia e da Lorena serão, como acrescenta o autor, instantaneamente retirados do território e encarcerados a partir de março de 1915 para centros de triagem e depois para a internação em campos, principalmente os localizados no sul da França. Desse modo, colocou-se um peso sobre os ciganos que circulavam pela zona do front e pelo interior do país. Muitos ciganos da Alsacia-Lorena foram encarcerados por conta de sua nacionalidade, vivendo sob um regime de detenção e disciplina, em condições humanas e materiais precárias, sofrendo punições e a perda de sua liberdade.
Na segunda parte do trabalho, “Un Camp d’Internement pour Les Tsiganes” (Um campo de aprisionamento para os ciganos), o autor destaca o modelo penitenciário imposto a esse povo e o modo como os ciganos de Crest foram assimilados a pessoas suspeitas, resultando num tratamento disciplinar reforçado. O exame da situação administrativa dos internos demonstrou que uma grande parte possuía a ficha de identidade, estabelecida pela lei de 1912. Essa lei foi destinada a vigiar e reprimir vagabundos e amplamente aplicada na França aos nômades, obrigando as famílias ciganas a adquirirem o estatuto de estrangeiras, procedimento que, segundo o autor, sugere uma intolerância e racismo contra os ciganos.
Filhol mostra que uma incompreensão imperava sobre o modo de vida dos ciganos. Amantes do campo, da natureza, e pouco habituados a viver em casas; por conseguinte, eram vistos como separados daquilo que funda a sociedade humana e civilizada, ou seja, a cidade. O contato com esse povo era considerado como um risco de contaminação e fragmentos da imprensa da época, material com o qual o autor trabalha, revela o modo como os ciganos eram qualificados. Assim, em 3 de agosto de 1908, no jornal Le Petit Parisien, podia-se ler sobre os ciganos “‘peuple néfaste’, suggère qu’on sévisse contre ces ‘parasites outrecuidants’, ces ‘rongeurs’ qui ‘infectent notre territoire’. Ce peuple néfaste laisse ‘après lui la vermine et les maladies, les meubles fractués, les fermes incendiés’[1]’” (página 38).
Na parte “Aspects de L’Internement” (Aspectos do Aprisionamento), a terceira do livro, o autor sublinha que a vida dos ciganos internos no convento dos capuchinhos em Crest é uma existência sob a vigilância. Isso se dá para além do caráter de prisão a que foram submetidos e do qual só se podia sair em momentos precisos ou por motivos determinados. A existência sob vigilância é contrária ao modo de vida cigana, pois obriga pessoas a habitar um lugar, a viver sob uma sedentarização forçada, totalmente estranha à prática dos itinerários que inspira e estabelece uma vida na mobilidade.
Filhol afirma que o encarceramento dos ciganos obedecia a uma lógica do controle que repousa sob a privação da liberdade. Esse internamento, além de estabelecer um ordenamento da vida, isto é, com os afazeres do quotidiano, alimentação, saídas, correspondência, higiene, penas disciplinares, produzia um conjunto de fatores: sofrimentos, doenças, conflitos entre pessoas e familiares presos, expondo a dificuldade de se viver junto, pois a prisão altera o modo de vida das famílias ciganas e suas relações com o quotidiano. Essas famílias, diz o autor, “habitués à circuler, à se déplacer, dont l’identité tsigane repose sur mobilité[2]’ são obrigadas a viver uma “cohabitation forcée[3]”, produzindo o conflito entre alguns indivíduos e famílias (página 88). Nascimentos, doenças, mortalidade (principalmente de crianças), relações conflituosas, educação religiosa e pequenos trabalhos compunham o dia-a-dia no aprisionamento.
Na quartaparte, “Subir, résister” (Suportar, resistir), Filhol apresenta análises primorosas com um material que compõe o corpus de trabalho. Pelas cartas que os ciganos enviavam para autoridades administrativas e políticas do Estado, solicitando a liberação do cárcere, e de fragmentos dos jornais locais, o autor finamente “traduz” o sofrimento de habitar na prisão e mostra como ser cigano produz uma identidade desfavorável ao ser humano e como a opinião pública, hostil aos ciganos, concebe estes ‘hóspedes indesejáveis’ que não devem mais circular fora do limites da prisão. Sobre esse viés, convém salientar o comentário do autor sobre as marcas que o confinamento inscreveu na identidade cigana: “Pour les Romanichels regroupés au camp de Crest, l’internement équivaut à une prison, qui brise les repères identitaires, économiques, sociaux, culturels, des familles[4]” (página 121).
Ao ler as cartas produzidas pelos ciganos, Filhol acrescenta que as práticas de escrita entre os ciganos estão fortemente ligadas à oralidade presente nesse grupo. Ele mostra uma preocupação das formas do texto adaptadas ao código e ao estilo admitido pelo destinatário. Esse processo, segundo o autor, pode ser visto em muitas cartas. No entanto, há uma delas que merece destaque, escrita por Angelina Hofer – uma cigana alemã – que chegou ao convento de Crest em 23 de julho de 1915 com quatro filhos. Eles foram transferidos do depósito humano de Saint-Maximin, em Var.
Angelina se dirige à autoridade civil de Crest solicitando a transferência dela para um depósito alemão em que se encontra seu marido. Dessa carta, o autor reconstrói com algumas palavras o sofrimento e a dor de uma separação imposta por anos entre campos de concentração: ‘Eu sou uma Alemã separada do Marido sozinha aqui’ – “‘Allemande’, ‘séparé’, ‘Mari’, ‘seul’ ‘issi’” (sic), (páginas 134 e 135).
Organizando sua reflexão na quinta e última parte, a Conclusão, o autor aponta que os campos de concentração começariam a se esvaziar a partir de outubro de 1919, porém os cento e cinqüenta ciganos mantidos no depósito de Crest esperariam ainda nove meses para serem liberados. A partida desse povo foi vista pela população como alívio já que os ciganos representavam “un danger pour la vie publique [...] se comportaient en ‘parasites’ au sein de la société, bref étaient des personnes nuisibles, comparables à la vermine ou à des insects malfaisantes qui endommagent les récoltes[5]”, proferia a imprensa local (:172).
Há que se ressaltar uma afirmação do autor, ou seja, de que a reclusão dos ciganos Alsacianos-Lorenos no depósito de Crest evidencia uma etapa de um processo de aprisionamento que marca profundamente o século XIX. Todavia, esse fenômeno da reclusão de seres humanos vai ressurgir vinte anos mais tarde, de forma violenta e feroz, no contexto da Segunda Guerra Mundial. Para Filhol, há uma amnésia da sociedade francesa quanto aos ciganos e uma dívida material e simbólica do Estado para com esse povo. Considerados como marginais e qualificados como anti-sociais, os nômades foram privados de direitos civis e políticos sinônimos de pertencimento a uma cidadania nacional.

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